10/30/2023
07:35:22 AM
“Se você é um daqueles fãs de Pink Floyd que não suportam a política do Roger, vaza pro bar!”, dizia o aviso nos imensos telões instalados no Estádio Nilton Santos, no Rio, traduzindo de forma até elegante a mensagem originalmente temperada com um cabeludo palavrão. Com 20 minutos de atraso –, motivado pelas imensas filas que o estádio até hoje não consegue resolver em eventos do tipo –, estava estabelecido o clima da provável última apresentação do inglês de 80 anos na cidade: rock’n’roll e ativismo em um clima high-tech, com vista para a linha do trem. Em uma noite quente no Grande Méier, o público aplaudiu, cantou, se emocionou e prestou atenção nas mensagens políticas, apresentadas em alta definição — ninguém pode reclamar, ele avisou. Mesmo um extraterrestre que pousasse no Rio — ou mesmo um jovem muito, mas muito mal-informado — ficaria embasbacado com o alto nível do espetáculo, ainda que não conhecesse as músicas ou entendesse os recados: quatro telões gigantes (que, na primeira canção, a clássica “Comfortably numb”, ficaram na frente dos músicos, com apenas Roger visível, no papel de um enfermeiro que traz um homem em estado vegetativo numa cadeira de rodas, o “confortavelmente entorpecido” da canção), um som alto e claro, uma banda afiada e muita informação, em som, imagem e texto. Também se pôde perceber que as melodias mais agudas — ou aquelas cantadas por David Gilmour, ex-companheiro de Roger no Pink Floyd e hoje seu grave desafeto — são uma missão para os músicos da banda, que inclui as cantoras de apoio Shanay Johnson e Amanda Belair, destaques ao lado dos guitarristas Dave Kilminster e Jonathan Wilson. Todos apresentados? Então o professor Roger Waters pode dar sua aula, composta de dois blocos, com um intervalo de 20 minutos no meio, somando, no total, cerca de duas horas e meia. Além de clássicos do Pink Floyd como “Us and them”, “Another brick in the wall Part 2” e “Have a cigar”, ele mostrou músicas de sua carreira solo como “The powers that be” e Déja vu”, algumas bem encaixadas no meio dos clássicos, outras nem tanto. Diferente de outras turnês que trouxe ao Brasil, esta não tem um disco do PF como tema, como já aconteceu com “The wall” (1979) e “The dark side of the moon” (1973, que ganhou há duas semanas uma revisão de Roger; as novas versões, no entanto, não apareceram no show, para alívio de parte dos fãs), os dois tocados na íntegra em outras ocasiões.— Não sei se tenho outras turnês como esta dentro de mim — disse ele a certa altura do show, admitindo que podia ser sua última vinda ao Rio, onde se apresentou pela primeira vez em 2002. — Mas estou me divertindo muito! O ativismo está por todo o show – que ainda vai a Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo (com duas apresentações) –, de forma mais lírica ou mais agressiva, e eventualmente até cansativa, o que não impede o cantor de passar por histórias pessoais: a balada “Wish you were here” é acompanhada de lembranças de Syd Barrett, fundador do Floyd ao lado de Waters, do tecladista Richard Wright e do baterista Nick Mason, e que deixaria a banda depois de apenas um disco, por problemas de saúde mental; em seguida, a pungente “Shine on you crazy diamond" completa a homenagem a Barrett, morto em 2006 de câncer no pâncreas. No fim, “The bar”, que já tinha aparecido na primeira parte do show, volta para o encerramento, com direito a três dedicatórias e uma confissão: – Peguei emprestadas algumas palavras de “Sad eyed lady of the lowlands”, do disco “Blonde on blonde”, de Bob Dylan, para esta próxima canção – disse ele, que dedicou a música a Dylan, a Camilla, sua mulher, e a seu irmão John, morto recentemente. – Mande a conta, Bob.A turnê “This is not a drill” não promove especificamente o disco “Is this the life we really want?”, lançado em 2017. Mas a definição dele para um serve para a outra: “parte viagem de tapete mágico, parte falação política, parte angústia”...
Fonte:https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2023/10/29/roger-waters-show-no-rio
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